Novembro chega com agitação em prol a libertação animal no Recife

Bandeira vegana pirateada com uma estampa africana no local tomando pela cor branca e representação de animais não humanos em rosa e negro sobre o fundo azul dialogando com as cores da bandeira trans! Enquanto não criamos nossas próprias filosofias com base em nossa herança ancestral, se faz necessário implodir o universalismo branco e sua ideia de animalidade a partir do que temos politicamente hoje!

Dia 1º de Novembro é celebrado do Dia Mundial Vegano, uma data de luta para o ativismo em prol os Direitos Animais no mundo inteiro. A data foi estabelecida em 1994, por Louise Wallis, então presidente da Vegan Society da Inglaterra, instituição que cunhou o termo “vegan”. Desde então, por ocasião do aniversário de 50 anos da Vegan Society foi estabelecido que esta data seria um marco na agenda de lutas pelos Direitos Animais por todo mundo.

No Brasil o veganismo encontra-se em extrema disputa, tanto na conceituação do termo, quanto na abrangência dele, embora nas últimas décadas a perspectiva colonialista, liberal e de mercado tenha ganhado visibilidade associando o termo a um padrão de consumo ou filosofia de vida industrialista, urbanizada, elitista e racista, protagonizado sobretudo por instituições, coletivos e organizações brancas do sul e sudeste, no nordeste as agitações em torno desta temática tem buscado articular a luta por libertação animal a partir da perspectiva dos movimentos sociais, assumindo postura crítica ao capitalismo e localizando o especismo enquanto opressão estrutural, sem reduzir a sua abrangência puramente a um ingrediente, ou produto, mas sim compreendendo-o na relação total não só de produção, como também de interação, cuidado e respeito com os não humanos.

Por outro lado, nós, baseada em cosmovisões de povos originários de Pindorama, Abya Yala e África, e como coletiva que tem na sua história a propagação do termo veganismo descolonial, também revisitamos nossas verdades e refletimos sobre toda colonialidade e branquitude que o termo veganismo carrega, nos fazendo, hoje, estar em busca de um nome que represente muito mais um antiespecismo inspirado no resgate das concepções e práticas munduruku, yorubá e guarani (entre outras) de relação entre os não humanos, sem perder de vista os valores e princípios de solidariedade, apoio mútuo entre as espécies, abolição de poder hierarquico-supremacista e objetificação de corpos para necessidades civilizatórias, que, a partir do anarquismo, inspiraram e permitiram a criação da Dhuzati. É inegável que o veganismo também está operando enquanto estratégia de sofisticação do racismo, do capitalismo, e ao passo que  estamos criando nossos próprios processos, só nós cabe fazer uma oposição contundente e firme, além de confrontá-los com suas lógicas e conceitos, para que esta filosofia política que traduz de forma tão eficaz a supremacia de um tipo específico de humano em detrimento da desumanização e subjugação de absolutamente tudo que não seja seu espelho, não se universalize, homogeneize e apague outras as experiências possíveis.

“Esse conjunto de crenças que inspirou o candomblé é baseado na vida em harmonia e em comunidade. Não há separação entre homens e animais, que inclusive agem como humanos. A solidariedade e a prosperidade vêm do trabalho no campo. Também é importante o culto à ancestralidade, por isso louva-se a continuidade da vida, por meio da figura feminina. Humanos e divindades são igualmente suscetíveis às incertezas. Não há o “mal”, mas há consequências para as ações que não contribuem com o equilíbrio pessoal e do todo.”

Como é a Mitologia Iorubá. Diego Bargas

 

“Os Munduruku do alto Tapajós mostram a clara intenção de proteger cachoeiras, rios e florestas, vistos como lugares sagrados, habitat de animais e de seres encantados, parte viva de sua cosmografia. Nas cartas, relacionam nomes de lugares a experiências míticas e históricas, ensinando que onde a paisagem pareceria homogênea e sem significado para os pariwat, para eles haveria vida. Os Munduruku mostraram-se preocupados com a ganância pariwat e os efeitos deletérios que a construção das barragens poderia causar à saúde de indígenas e dos próprios pariwat, evocando uma dimensão mundial do impacto negativo desses empreendimentos”

 

A cosmografia Munduruku em movimento: saúde, território e estratégias de sobrevivência na Amazônia brasileira. Daniel Scopel, Raquel Dias-Scopel e Esther Jean Langdon

 

Neste sábado 02/11, acontece a 1ª Marcha Pelo Dia Mundial do Veganismo em Recife, organizada pelos coletivos 269life Nordeste e Vozes em Luto Nordeste, com apoio dos grupos Guerra Urbana Punk e Núcleo Punk Vegan. O evento tem o propósito de disseminar a luta abolicionista vegana, levando como bandeira principal a construção de ideais, pensamentos e ações diretas contra o especismo, estrutura de poder culpada pelo assassinato brutal de mais de 150 bilhões de animais por ano, com chance deste número alarmante ser duplicado até o ano 2050. A concentração para a marcha será realizada em frente do Banco do Brasil no Boulervard da Av. Rio Branco, no Recife Antigo a partir das 14h e seguirá até o Marco Zero da cidade.

A Dhuzati chega junto desta marcha com a Cozinha Abolicionista, e convoca todas as pessoas sensíveis à violência que caracteriza a exploração animal para se somarem neste ato, fazendo um apelo especial as pessoas negras e sexodissidentes, que são constantemente desumanizades, fazendo a conexão que a luta por libertação animal também é antisexista e antiracista. O abandono familiar, espancamento e assassinato vivido por pessoas que confrontam as normas antropocêntricas modernas de sexualidade e gênero e a escravidão de populações sequestradas de África, são violências cometidas por entender a negritude e a sexodissidencia como objetos do projeto humanista universal responsável pela catástrofe que assola o globo.

A cisheterossexualidade é uma tecnologia especista que não só super-populacionou o planeta, provocando a urbanização e extermínio de várias espécies não humanas, como também, através da exploração de sêmem e urina de equinos e bovinos, sintetizou hormônios para estabelecer estereótipos de masculinidade e feminilidade mudando radicalmente a forma como opera a construção social do gênero e consolidando a hieraquia binarista de gênero através da indústria farmacêutica.

Já o racismo também é um tipo de especismo, uma vez que a hierarquia racial foi, no período colonial, uma forma dos homens europeus brancos, criarem a ideia deles próprios como representantes da humanidade e classificarem grupos fora da zona “humana”, legal e moralmente. Desta forma, os criadores desse sistema definiram que o “humano” indicava o domínio da moralidade e da lei, e “animal” era o espaço de ausência do ser e de falta de lei, apontando para uma necessidade de ser controlado, disciplinado e contido pelos “humanos”. A noção de “animal” – construída sob o modelo branco supremacista como “subhumano”, “não-humano” ou “desumano” – é o veículo conceitual para a violência. Considerando que o racismo requereu dessa noção de animalidade para se consolidar e que o pensamento racial não teria sentido sem a animalidade, aqueles que estão interessados em resistir ou combater o racismo precisam repensar seriamente por que o status de “animal” definido pela supremacia branca até hoje define a experiência de existir pra servir ou não existir.

Unicórnio rosa, não humano símbolo da resistência sexodissidente
Aph Ko é uma teórica e produtora de mídia digital independente e junto com sua irmã fundadou o Black Vegans Rock e escreveam o livro Aphro-Ism, sobre Feminismo, Cultura Pop e Veganismo Negro.

Já as 17h ativistas veganos independentes fazem uma convocatória aberta para a construção de coletivo local alinhado a União Vegana de Ativismo. A UVA vai contra a apropriação do veganismo pelo capitalismo e atua em sintonia com a justiça social. Depois de sediar o encontro nacional da rede, que aconteceu em julho de 2019, os integrantes de Recife creem que é o momento de receber todas as pessoas que queiram compartilhar e alimentar a faísca da luta através de ações coletivas, pautadas nas conexões e solidariedade política e contra todas as estruturas de opressão. O primeiro encontro aberto pós-Enuva em Recife será realizado no Empório Pura Vida, Av. 17 de Agosto, ao lado do Museu do Homem do Nordeste em Casa Forte.

Novembro inicia com força nas agitações políticas pela libertação animal em Recife, desta forma também lembramos que nos dias 15 a 24 deste mês acontece a Exposição Nordestina de Animais e Produtos Derivados, evento símbolo da violência e exploração contra não humanos, realizada este ano com o subsídio de R$ 800 mil do governo estadual. É tempo de articular a resistência e agir contra estes desmandos e explorações que só estão em função do lucro da mesma elite que lucra com o saque de territórios e o extermínio aves, bovinos, espécies silvestres, indígenas, além da população negra e sexodissidente, há mais de 500 anos.