Pessoas que menstruam e o lugar de falha

Em sua coluna na Folha de São Paulo, a filósofa e intelectual Djamila Ribeiro, se posiciona contra o termo “pessoas que menstruam”, por ele supostamente apagar a experiência material das mulheres cis e reduzi-las a funções biológicas. Esta narrativa resgata e impulsiona o que há de pior nos feminismos: a negação da materialidade da experiência trans e das violências a ela imputada. O meio vegano e dos direitos animais tá cheio dessa gente que no topo do privilégio branco (de quem nunca foi escravizade e racializade) resgata animalidade para se afirmar fêmea humana e negar a existência de pessoas transmasculinas e transfemininas.

Djamila, talvez ingenuamente, parece resolver acenar ao feminismo radical e seu sectarismo néscio ao desvirtuar o uso de um termo que a comunidade trans defende, para visibilizar e incluir pessoas transmasculinas e não binários em políticas públicas de saúde, como estratégia normativa que reduz e apaga a identidade mulher. Ou seja, ao tratar acesso às políticas públicas e visibilidade de corpos marginalizados nos serviços de saúde como “retrocesso” e “violência” a teórica retoma uma velha estratégia típica da branquitude de deslocar as opressões para se transformar em vítima de quem não terem poder estrutural para oprimir e têm suas demandas negligenciadas pelo Estado. Grada Kilomba, inclusive citada pela filósofa, ao analisar a dimensão psicológica do racismo nos revela como a branquitude constantemente se coloca como ameaçada por aqueles que ela explora e violenta.

Quando o movimento de pessoas transmasculinas e não binárias pede retratação pela sua fala, ela acusa essa demanda como tentativa de intimidação. Contudo, o que fica explicito é que essa turminha “do apagamento da categoria mulher” lida com a conquista de direitos e o reconhecimento de novos sujeitos nas políticas públicas como ameaça da mesma forma que a extrema-direita, quando diz que a ideologia de gênero vai destruir a família. Ambas se encontram não só pela cisgeneridade, mas também pelo método de usar o poder de fala (e escrita) para violentar pessoas alegando divergência teórica ou liberdade de expressão e se colocando como vítima, quando são estas pessoas que atuam contra a conquista de direitos de uma população desprotegia por marcos legais.

Se é possível compreender que a emergência do feminismo negro se dá por não compartilhar as experiências materiais das mulheres brancas, por que é tão difícil entender que existem experiências compartilhadas entre corpos que podem ter identidades diferentes? A reivindicação dos homens trans atualmente é equivalente a de Sojourner Truth em 1841, e pasmem não é sobre deixar de usar a categoria mulher quando necessário, é apenas sobre não resumir um corpo que menstrua à mulheridade.

Ah, os termos “pessoas com pênis” e “pessoas com próstata” são amplamente usados pelos movimentos de pessoas trans e travestis, quanto as pessoas que ejaculam elas também não são definidas por identidade de gênero, se a Djamila desconhece que pode ejacular este é outro problema que merece mais atenção do que insistir num coro transfóbico de distorcer os objetivos do movimento de pessoas trans e travestis sugerindo que a luta por direitos retrocede as conquistas das mulheres cis. Isso, além de desonestidade intelectual, é de uma perversidade que aproxima este tipo de feminismo com seus inimigos que veem a conquista de direitos reprodutivos, por exemplo, como uma violência.