A crítica antiespecista não é sobre consumo, é sobre a relação de poder entre animais humanos e não humanos

A localização de classes dentro do veganismo é pertinente, assim como é inegável reconhecer que muitas vegetarianas adotam discursos que menosprezam pessoas com base numa cultura elitista e práticas micofascistas, isso é cruel e opressor. Porém, usar de desonestidade e fazer apontamentos anti-elitistas, ignorando a cultura carnista, especista e o não reconhecimento dos animais como seres com vontade própria: a de não morrer, por exemplo, bebe da mesma fonte do principio de anulação das diferenças! Porque ao falar de privilégio em escolher o que comer, também não falamos do privilégio em poder escolher não morrer? Seria, mais uma vez, a vida dos animais menos importante os interesses humanos?

Acesso a informação é sim um grande problema dentro da cultura especista e por isso é necessário reconhecer a importância de realizar trabalhos mais explicativos e pedagógicos, entre nossos grupos de afeto, como ação de propagação e contaminação. Mas não é só isso, nossa apatia em relação a vida dos animais e as violências que cometemos contra não humanos (e alguns humanos também) no geral não são vistas como algo importante, fomos ensinadas a naturalizar as opressões. Não se come carne apenas pra “encher o bucho”, se come carne porque a cultura carnista diz que alguns animais podem ser assassinados para “encher o bucho”. Uma alimentação sem ingredientes de origem animal é infinitamente mais em conta. Feijão, arroz, batata doce, macaxeira, farinha, banana comprida, jaca, inhame, amendoim, são baratos, saciam e são de fácil acesso para a maioria das pessoas. A cultura que impõe a carne como base para comer com todas essas coisas e a mesma que sequestrou os conhecimentos populares a cerca de uma alimentação mais autônoma. “Vou comer puro?” essa frase muito comum no nordeste do Brasil, reflete desejo por cadáver e não fome por si só.

arroz, macarrão, alface, cenoura e batata cozidas, couve e tomatinho
feijão preto, arroz, vinagrete, purê de jerimum e farofa
feijão macassar, vinagrete, arroz e casca de banana refogadas

A dificuldade/limitação na rotina pra ressignificar práticas tão importantes quanto a alimentação, principalmente pra mães solteiras e pessoas confinadas em trabalhos precarizados existe e representa a realidade da maioria das pessoas negras. Mas que tal falar sobre a cervejada com sarapatel ou passarinha? E o galeto acompanhado de arroz, feijão, maionese e farofa? E a tripa assada, tira gosto da cachaça? E as buchadas que levam bastante tempo pra serem preparadas? E o “eu sou carnívoro gosto de carne mesmo”? Muita gente que usa a pobreza como exemplo pra não repensar os próprios atos, têm como optar sim, a não ser que elas sejam aquelas em situação de rua sem condições de negar comida de doação, muitas vezes comendo papelão puro, sem ser escondido na carne, ou mesmo as que cheiram cola pra enganar a fome. É lamentável que toda a informação sobre comida vegana que vocês têm tá lá no cartaz da gourmeteria com uma versão de hambúrguer de cogumelos albinos da melanésia colhidos por duendes tailandeses virgens em ano bissexto. Veganismo é sobre ética política, não sobre poder de consumo e dieta, da mesma forma que existe salsicha e carne moída com papelão, existe carne de vitela, foie gras e caviar, não esqueçam disso.

Práticas populares não é só comprar sardinha, salsicha, mortadela e fiambre, é também comer feijão, farinha e banana e catar vegetais na feira que vão pro lixo, porque a produção industrial de alimentos se baseia no desperdício, eu to falando daqueles mesmos que muitos de vocês escolhem não comer porque tem nojinho. Isso garante uma enorme quantidade de alimentos vegetais sem absolutamente gastar nenhum dinheiro e é muito mais saudável e ético do que carne podre, papelão e cabeça de porco. Enquanto vocês passam pano pra cultura carnista e falam estupidamente sobre escolher o que comer, que tal escolhermos resgatar uma parte do conhecimento popular, campesino, quilombola e indígena apagado pelo agronegócio sobre os matos que nascem como erva daninha, nas construções e nos terrenos baldios que tem potencialidade alimentícia? É importante e urgente apontar elitismo e racismo dentro do veganismo e ir contra veganes liberais universalistas que acreditam ser melhores e mais justos que a massa pobre e ignorante, mas reduzir a crítica antiespecista à esta experiência de classe é oportunista e cúmplice dos efeitos da alienação industrial.

vegetais reciclados, descartados por feirantes com destino no lixo.

Os carnistas que tem poder de escolha e que mesmo assim buscam justificar suas práticas especistas utilizando os pobres como argumento, não lembram deles quando financiam a pecuária. Para esta atividade manter-se, inúmeros territórios sagrados indígenas são usurpados, invadidos e expropriados, exterminando animais silvestres e empurrando pessoas para a miséria. Cerca de 70% da superfície agrícola pertence à criação de animais e grande parte dos alimentos super nutritivos como arroz, milho, soja, aveia e o trigo não são usados para alimentar pessoas que estão em condição de miséria, morrendo de inanição sim para alimentar e engordar animais.

pobres e pessoas negras das periferias urbanas que não tem água na torneira também são invisíveis ao fato de mais da metade da água potável do mundo ser destinada à pecuária. 15 mil litros de água pra produzir apenas 1kg de carne. Qual carnista lembra da pobreza nessas horas? Se lembrasse e se importasse de fato, refletiria sobre o carnismo, pois o agronegócio além de racista é indiscutivelmente violento com pobres. Usam pobre como escudo, mas bem, quem come exclusivamente vegetais e se nega em colaborar com essa necropolítica é que é elitista e que pode escolher o que comer.

* Este texto contém contribuições de Talu Vieira e Mel Bezerra com revisão da Dhuzati

2 Replies to “A crítica antiespecista não é sobre consumo, é sobre a relação de poder entre animais humanos e não humanos”

  1. Olá Anders, tudo bem?
    Sim, é verdade que o site não está conectando, mas a referencia já está corrigida no texto para outro link.
    Caso esteja realizando uma pesquisa, pode por no google a afirmação sobre a porcentagem da superficie agricóla e tirar suas proprias conclusões
    agradecemos o aviso e a atenção
    abraços