A própria realização do evento, com custo estimado em mais de R$ 100 milhões (segundo a Secretaria Municipal Extraordinária dos Jogos Indígenas), é bastante questionável na atual conjuntura, já que muitos povos enfrentam situações de extrema vulnerabilidade, vivendo em acampamentos em beiras de estradas, sujeitos à fome e ao frio, por terem sido expulsos de suas terras tradicionais, como é o caso emblemático do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Outros povos, mesmo com os territórios demarcados, são constantemente violentados devido às invasões e à exploração ilegal dos bens naturais (madeira, minério, biodiversidade) localizados em suas terras. Em relação à educação e saúde, a situação é extremamente precária e a mortalidade de crianças de alguns povos indígenas, como os Xavante, é mais de 800% superior à da média nacional das crianças não indígenas. Além disso, causa grande preocupação o fato dos índices de violência e violação de direitos dos povos indígenas e de criminalização de suas lideranças estarem aumentando drasticamente.
Alguns problemas levantados pelos povos indígenas em relação a estes Jogos Mundiais são:
Gastos não prioritários – Em 2014, a Funai recebeu apenas R$ 10 milhões para regulamentar as cerca de 700 terras indígenas em todo país (de acordo com o próprio órgão indigenista), além de ter seu quadro de servidores bastante reduzido por falta de recursos. Por outro lado, o orçamento previsto para a realização do I Jogos Mundiais está estimado em mais de R$ 100 milhões (segundo a Secretaria Municipal Extraordinária dos Jogos Indígenas);
Distorção da realidade – oferecer diversão e divulgar amplamente um evento “bonito” para aparentar que os povos indígenas vivem bem no Brasil e têm seus direitos respeitados; além de tirar o foco das denúncias de corrupção e da atual crise política e econômica;
Baixa participação – dos 305 povos indígenas do Brasil, apenas 26 estarão participando dos Jogos; dos dez povos que vivem em Tocantins somente quatro participarão;
Folclorização – jogos e atividades tradicionais, que compõem a própria organização social, realizados fora do território indígena, para exibição, sempre carregam em si a ameaça de uma transformação da própria cultura em folclore e a reafirmação da condição de que os indígenas são “exóticos”;
Capitalização – brincadeiras, atividades lúdicas e jogos tradicionais, alguns realizados dentro de rituais sagrados, são desvinculados dos seus propósitos originais e inseridos em um ambiente de competição vinculada à comercialização, característica do sistema capitalista;
Longe de ser prioridade – a realização dos Jogos Mundiais não é uma demanda do movimento indígena e nem está vinculada a ele.
Antônio Apinajé, liderança indígena do estado de Tocantins
O I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas propõe-se a ser um espaço de valorização da diversidade cultural e riqueza humana. Um momento de integração e confraternização de povos originários de mais de vinte países, de promoção de autoestima, um evento mais celebrativo do que competitivo. No entanto, ao desconsiderar a extrema ofensiva em curso no sentido de reduzir e retirar direitos fundamentais garantidos dos povos indígenas, a crescente violência e criminalização das lideranças indígenas, o eminente saque e destruição dos territórios tradicionais e a situação de extrema vulnerabilidade de milhares de indígenas, o Brasil, país anfitrião, tenta sustentar uma falácia porque não é possível celebrar nada diante da possibilidade da própria extinção cultural, social e física dos povos originários do país.
Antônio Apinajé, liderança indígena do estado de Tocantins