Nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas o troféu fica com o Estado brasileiro.

Fonte:
CIMI – Conselho Indigienista Missionário

 

Entre os dias 23 de outubro e 1º de novembro de 2015 será realizado o “I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas”, em Palmas (TO). Diante dos altos investimentos feitos pelos governos municipal, estadual e federal, para realizar e divulgar, dentro e fora do Brasil, este “evento de porte internacional”, que irá “colocar Palmas no mapa mundial do turismo, inclusive o de negócios”, é importante questionar se os protagonistas desses Jogos, os povos indígenas, terão algum benefício verdadeiro.

A própria realização do evento, com custo estimado em mais de R$ 100 milhões (segundo a Secretaria Municipal Extraordinária dos Jogos Indígenas), é bastante questionável na atual conjuntura, já que muitos povos enfrentam situações de extrema vulnerabilidade, vivendo em acampamentos em beiras de estradas, sujeitos à fome e ao frio, por terem sido expulsos de suas terras tradicionais, como é o caso emblemático do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Outros povos, mesmo com os territórios demarcados, são constantemente violentados devido às invasões e à exploração ilegal dos bens naturais (madeira, minério, biodiversidade) localizados em suas terras. Em relação à educação e saúde, a situação é extremamente precária e a mortalidade de crianças de alguns povos indígenas, como os Xavante, é mais de 800% superior à da média nacional das crianças não indígenas. Além disso, causa grande preocupação o fato dos índices de violência e violação de direitos dos povos indígenas e de criminalização de suas lideranças estarem aumentando drasticamente.

Alguns problemas levantados pelos povos indígenas em relação a estes Jogos Mundiais são:

Gastos não prioritários –
Em 2014, a Funai recebeu apenas R$ 10 milhões para regulamentar as cerca de 700 terras indígenas em todo país (de acordo com o próprio órgão indigenista), além de ter seu quadro de servidores bastante reduzido por falta de recursos. Por outro lado, o orçamento previsto para a realização do I Jogos Mundiais está estimado em mais de R$ 100 milhões (segundo a Secretaria Municipal Extraordinária dos Jogos Indígenas);

Distorção da realidade – oferecer diversão e divulgar amplamente um evento “bonito” para aparentar que os povos indígenas vivem bem no Brasil e têm seus direitos respeitados; além de tirar o foco das denúncias de corrupção e da atual crise política e econômica;

Baixa participação – dos 305 povos indígenas do Brasil, apenas 26 estarão participando dos Jogos; dos dez povos que vivem em Tocantins somente quatro participarão;

Folclorização – jogos e atividades tradicionais, que compõem a própria organização social, realizados fora do território indígena, para exibição, sempre carregam em si a ameaça de uma transformação da própria cultura em folclore e a reafirmação da condição de que os indígenas são “exóticos”;

Capitalização – brincadeiras, atividades lúdicas e jogos tradicionais, alguns realizados dentro de rituais sagrados, são desvinculados dos seus propósitos originais e inseridos em um ambiente de competição vinculada à comercialização, característica do sistema capitalista;

Jogos_Mundiais_Indigenas-protesto-750x410Longe de ser prioridade – a realização dos Jogos Mundiais não é uma demanda do movimento indígena e nem está vinculada a ele.

“As corridas de toras, o tiro com arco e flecha e a canoagem são afazeres cotidianos e fazem parte da vida e da espiritualidade dos povos indígenas. Nas aldeias, muitas práticas e cerimoniais indígenas são rituais sagrados e não podem ser mercantilizados, banalizados e transformados em folclore e espetáculo para turistas não-índios”
Antônio Apinajé, liderança indígena do estado de Tocantins

 

O I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas propõe-se a ser um espaço de valorização da diversidade cultural e riqueza humana. Um momento de integração e confraternização de povos originários de mais de vinte países, de promoção de autoestima, um evento mais celebrativo do que competitivo. No entanto, ao desconsiderar a extrema ofensiva em curso no sentido de reduzir e retirar direitos fundamentais garantidos dos povos indígenas, a crescente violência e criminalização das lideranças indígenas, o eminente saque e destruição dos territórios tradicionais e a situação de extrema vulnerabilidade de milhares de indígenas, o Brasil, país anfitrião, tenta sustentar uma falácia porque não é possível celebrar nada diante da possibilidade da própria extinção cultural, social e física dos povos originários do país.

“A melhor atitude pela paz é demarcar e respeitar os territórios indígenas que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta Terra. Lembrem-se que o Brasil ainda está em dívida com os povos indígenas. No país inteiro ainda existem centenas de terras que precisam ser devolvidas aos seus verdadeiros donos”
Antônio Apinajé, liderança indígena do estado de Tocantins